Na natureza os animais nascem com instintos rígidos em muitos casos, como, por exemplo, os insetos. Todavia, tal determinação não é absoluta, uma vez que há mais flexibilidade de ação e comportamento na escala da evolução, por exemplo: os mamíferos são capazes de aprender muitas coisas, portanto, há uma certa "inteligência", mesmo que não tenha o mesmo teor de abstração da de um ser humano. No caso deles, podemos afirmar que trata-se de uma "inteligência" concreta, para realizar tarefas simples, sem criatividade, como acontece com os seres humanos. Se bem que ainda sabemos muito pouco sobre a "inteligência" dos animais, e a comparação com seres humanos é complicada, pois, como já dizia o filósofo cético, Michel de Montaigne, em muitos aspectos os animais nos são muito superiores...
O ser humano, com raras exceções, é egoísta, ganancioso, ambicioso e outros adjetivos pejorativos que não valem a pena colocar aqui, porque é do conhecimento de quase todos. O ser humano tem a mania de pensar que é racional e que os demais animais são irracionais, entretanto, quero fazer uma provocação: somos racionais de uma forma imanente, essencial? Penso que não precisamos nem lembrar que sem a sociedade não haveria humanização da espécie humana, logo, se fôssemos racionais essencialmente, nunca deixaríamos tal racionalidade. Mas é realmente isso o que acontece? Somos, ou usamos a razão de vez em quando?
O ser humano, em sua maioria, criou o Estado político. Há várias teorias sobre a origem do Estado. Desde a origem divina, passando pela natural, e a tese do contrato social. Não entrarei em detalhes aqui, mas espero que estas questões sejam explicitadas, na proporção que o texto avançar. A verdade é que o ser humano é complexo demais, e, afirmar, peremptoriamente, que a espécie humana é racional, essencialmente é, no mínimo, leviana. Se fosse, como seria possível o sistema capitalista de produção? Produzir, acumular, vender, e destruir o planeta e não compreender que os recursos naturais são finitos; depois recomeçar o processo numa escala e velocidade cada vez maior!!! Podemos chamar estas ações de racionais? Vou um passo além: como não questionar uma "riqueza" inexistente, abstrata, como a que se "consegue" nas bolsas de valores de todo o mundo? Eis o paradoxo: ser proprietário e não proprietário simultaneamente, porque tal "dinheiro" é apenas números transferidos para onde se supõe ganhar-se mais, ou ganhar-se menos, porém, ter-se mais "segurança". Há um porém: às vezes, a pessoa que investe em ações, perde tudo da noite para o dia. Onde está a riqueza, se ela não foi produzida e depende muito mais de apostas de onde investir, que a racionalidade de quem investe de forma conservadora? Daí a loucura do mercado financeiro!! Basta um boato e os investidores comportam como se fossem uma "boiada". Eis a razão da espécie humana. A meu ver, um ardil para ficar rico sem produzir...
Percebe-se, na situação acima, não uma racionalidade, mas a total irracionalidade, pois é o desequilíbrio psicológico e emocional que fica evidente nos agentes a serviço do capitalismo financeiro. A TORRE DE BABEL, em vez de ser "destruída", como na alegoria bíblica, é motivo de conflitos entre os que defendem o capital voltado para a produção; os que fazem apologia do capital financeiro e não produzem um parafuso, como é o caso dos banqueiros e "especialistas" que só vivem da especulação, e aqueles que produzem, mas que também têm ações nas bolsas. Contudo, o que é comum a todos é o papel do Estado. Infelizmente, neste caso, por ideologia, estupidez, irracionalidade, ou má-fé, quase todos defendem o mesmo: o Estado não deve interferir na economia e no mercado financeiro, embora a irracionalidade daqueles que só usam a razão para ganhar dinheiro, dependam ontologicamente do Estado. Este foi, é , e provavelmente será a "mão invisível" para os cegos, mas para quem utiliza a razão para refletir sobre o todo, a TORRE DE BABEL econômica é apenas uma parte da realidade, talvez a mais importante. Aliás, Karl Marx já dizia que a economia determina tudo, apesar de ele ter se referido apenas à economia que produz, afinal o filósofo alemão desenvolveu as suas teorias no século XIX e não conheceu a bolsa de valores em nível planetário. Se o modo de produção capitalista, que subtrai mais-valia relativa e absoluta da "classe trabalhadora", foi motivo para uma teoria socialista, comunista, imagine se Karl Marx vivesse na nossa época? Ele, com certeza, ficaria horrorizado com a "produção" de riqueza financeira abstrata. Ser proprietário de números e não de algo concreto e palpável...E o que é pior: números que podem desaparecer da tela do computador com a mesma rapidez que apareceram. Eis o irracional com verniz de racionalidade do capitalismo...Ideologia, nada mais.
A TORRE DE BABEL, no atual sistema, e na nossa época, não é apenas uma questão de misturar as línguas por um suposto Deus bíblico, mas uma balbúrdia infernal sobre interesses diversos. Estamos voltando à Grécia, dos antigos sofistas, contemporâneos de Sócrates, porém com uma roupagem linguística mais sofisticada. Isto porque a comunicação é globalizada também. A velha e surrada luta de classes não é mais entre quem explora e quem é explorado; entre opressores e oprimidos. São ricos contra ricos, dependendo de como "produzem" riqueza; de ricos e pobres; da classe média alta contra pobres; das mais diversas classes de profissionais, ou seja, uma fragmentação que o irracionalismo não pode compreender, além dos interesses morais, políticos, sociais, ideológicos, culturais, entre outros.
Evidentemente, este tema merece um livro, tal é a quantidade de assuntos a ser abordados. No entanto, é necessário fazer apenas algumas observações e provocações para que sejam refletidas pelos interessados. Vou dar um exemplo aqui, que deve ser do conhecimento da maioria, e que está caminhando para acontecer em nível mundial. Refiro-me à briga, às discussões, às acusações recíprocas entre os taxistas tradicionais e o aplicativo UBER. Muitos desses pretensos motoristas de táxi preconizam que o Estado é burocrático, inchado de apadrinhados, antro de corruptos, etc., porém, com a concorrência do livre mercado, a quem eles recorrem? Ao Estado, não é mesmo? Querem ser protegidos pelo papai estatal. O mesmo serve para todas as situações supracitadas. O Estado deve ser mínimo para o povo e máximo para os ricos. Estes fundaram o Estado, portanto, se forem à falência, a babá estatal deve protegê-los... Dei tais exemplo, mas cada leitor deste texto pode fazer um exercício mental e tentar lembrar das divergências entre os seres humanos na luta pela sobrevivência.
Uma pergunta: em qualquer sentido, se alguém estivesse numa situação oposta à que defende, será que ele seria capaz de colocar-se no lugar do outro? Em outras palavras, se um motorista de táxi fosse alguém que trabalhasse com o UBER, ele defenderia o direito de quem? Relembro aqui o grande Protágoras de Abdera, porém, não com as mesmas palavras: " Sobre qualquer discurso é possível fazer um oposto com o mesmo nível de persuasão"!!!Em outras palavras, troca-se raciocínios lógicos, por um jogo de palavras que muda de acordo com os interesses e a conveniência. A astúcia em detrimento da verdade. A ética kantiana aqui não passa de uma fábula, não é mesmo?
No modo de produção atual, cada um defende o seu lado, e quase sempre, sem bons argumentos, pelo contrário, com provocações rasas e uso da força bruta. O que move o ser humano é a razão? Duvido. O darwinismo natural não estaria sendo utilizado pela ideologia para legitimar o darwinismo social? Estaria o ser humano virando uma besta, ou está sendo estimulado a agir como tal? A TORRE DE BABEL, aqui, não poderia ser representada pelo irracionalismo? O animal é "irracional", mas não sabe disso. O homem tem a possibilidade de usar a razão, mas a História tem provado que ele é irracional, tem consciência dela e, ainda assim, prefere agir como um autômato...Há algumas exceções, raras, porém, como um diamante...
TEXTO: Marco Aurélio Machado