Nas aulas de Filosofia, quando digo aos alunos que a esperança, ao contrário do ditado popular, deve ser a primeira a morrer e não a última, quase sempre vem uma avalanche de questionamentos e rótulos de que o professor de Filosofia é "doido". Estamos tão acostumados à aceitação sem crítica e reflexão dos ditados populares, que muitas vezes não percebemos o componente "ideológico" implícito em frases tão "ingênuas". E eu que cheguei a ficar farto do filosofar e, por um momento, queria me perder no senso comum...
É preciso ir além das aparências para perceber o que está oculto e torná-lo explícito. A esperança, tal qual o Mito de Sísifo, aquele que foi condenado, eternamente, a subir com uma pedra enorme morro acima, e quando chegava ao topo, a pedra caia, e todo o trabalho teria que recomeçar. Penso que podemos fazer uma analogia entre a esperança e este mito grego tão rico de significado.
A esperança, palavra bonita, mas que tomou um sentido cristão, não é tão inocente assim. A esperança está na temporalidade, pior, numa parte do tempo que é impossível viver: o futuro. Sísifo rola a pedra à sua frente, e num raciocínio de semelhança, a esperança está no futuro. Mas o futuro existe? O senso comum diz: "Quem espera sempre alcança"; " A esperança é a última que morre"; mas isto é verdade? Não estou livre dessas armadilhas, mormente em alguns momentos em que abrimos mão da reflexão, mas quem vive de esperança, ou seja, quem espera do futuro, que é um tempo apenas imaginário, será um forte candidato à depressão e terá a tristeza como companhia.
Penso que é justamente o contrário: quem espera, vai ficar esperando, e alcançará a ansiedade e dará asas à sua imaginação, esta "senhora" angelical e demoníaca que habita a mente humana. O recado da esperança é claro: "viva sempre o futuro e carregue o fardo pesado de viver num tempo que não existe". "Faça sempre o bem aqui e a recompensa virá com a salvação no paraíso". Alguém pode ser realmente "feliz" vivendo desta forma? A pessoa viverá atormentada pelos fantasmas da imaginação e nunca terá certeza se alcançará os seus desejos e objetivos. RESULTADO: SOFRIMENTO.
Por incrível que pareça, a palavra "desespero," na nossa cultura, tem uma carga de negatividade enorme, mas poucas pessoas pararam para refletir sobre ela. Desesperar, a meu ver, não é o oposto da esperança apenas, mas significa não esperar por nada que esteja além do âmbito de domínio da pessoa humana. Há uma frase que eu penso ser de Sartre, mas não tenho certeza, que é a seguinte: "Fazer o possível, mas sem esperança". Em outras palavras, devemos agir, porque ao agir, escolhemos, mas se as coisas darão certo ou não, já é outra história. Desespero, então, é não esperar nada do futuro, do comportamento das outras pessoas, das suas pirraças, de toda situação externa à nossa mente. Há situações, ações e coisas que dependem de mim; infelizmente, a maioria delas não está sob o nosso controle.
Desespero, portanto, é viver o presente, é não antecipar o futuro pela imaginação e não se culpar pelo passado. É fácil? Não, não é fácil. Vivemos numa cultura cristã e desde a mais tenra idade somos bombardeados com os dogmas cristãos. A palavra desespero para nós é uma espécie de tabu: não deve ser pronunciada. Todavia, se as nossas ações se mostrarem infrutíferas, na esperança de conquistar e reconquistar os nossos desejos, para o bem da nossa saúde mental, a palavra de ordem é "DESESPERO. (DES (ESPERO.) Os desejos são os vilões do sofrimento humano. E desesperar, não esperar, é o mesmo que não desejar. Desejar e conquistar nos dão sempre uma sensação boa, de poder, capacidade e competência, mas não existe desejo satisfeito sem dor.
Estou ciente disso, pois sou humano. Mas "EU" ( outra ilusão) sei o preço de cada desejo "satisfeito". E quando embarco num desejo, estou convicto da dor que me espera. E o sistema capitalista sabe lidar bem com esta fraqueza humana, pois o próprio ser humano é, neste sistema, uma mercadoria temporária, da esperança de que alguém o possua, posse esta, sempre ilusória...O que fazer? Se sempre abrirmos mão, não viveremos; se sempre dermos vazão à satisfação dos desejos, sofreremos até a morte. Isto, se a morte física por fim ao sofrimento. Para quem acredita que existe uma alma que habita o corpo físico, talvez a morte do corpo físico seja apenas o início dos sofrimentos da alma. Só não me perguntem como uma alma pode sentir dor sem um corpo...Os místicos adoram viajar nesses desejos e nas suas especulações, mas cada um tem o seu dicionário, que nunca tem o mesmo significado! E tome sofrimento...
Texto: Marco Aurélio Machado